quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


Sobre a necrofagia, a indiferença, o calor e a matrix 

Norah André

Estamos todos vivendo os 50 graus.
Nas ruas e nas casas, um inferno diário.
Nas praias, o tom é de comemoração, em meio aos dejetos e à poluição, onde as crianças brincam e os banhistas se deliciam no mergulho em seus próprios excrementos.
Na televisão, fiel ao programa de zumbificação da população, o tom que anuncia o próximo dia de calor infernal é de euforia forjada e forçada. Claro, como atender à matrix de outra forma?
Tudo isto me meio às “grandes notícias” referidas ao futebol e à Copa, bem como ao Carnaval que se avizinha.
Alguns poucos parecem __ não tenho certeza __ atentos ao que está se instalando, o já anunciado há tanto tempo.
Solitários e desesperançados, assistem à “grande promoção” do verão tropical.
Em processo de liquidação e de "saldão" final.
Enquanto isto, os famosos “churrascos” se difundem, resultado da chacina de sempre, tornada possível não somente pelo holocausto sempre em andamento; como também este último, por sua vez, possibilitado pela grande devastação, a permanente destruição das áreas de floresta tropical e equatorial, consideradas um “impedimento” ao “avanço” e ao “progresso”. Por este e tantos outros governos mundo afora.
Pagamos todos o preço da indiferença de tantos.
Da falta de sensibilidade, de empatia e de compreensão de que toda a vida é interdependente. E de que não há como matar sem cedo ou tarde pagar o preço.
Afinal, matamos e sacrificamos o grande corpo que nos sustenta e acompanha. Como esperar resultado diferente?
Neste meio tempo, o que deveria servir de alerta final é sistematicamente construído e editado como “festa de verão”. Difícil tem sido fazer o mesmo nas temperaturas de menos 30 graus que impedem o andamento da “máquina de alienação” tão bem montada no hemisfério sul.
Afinal, com uma sensação térmica de menos 50 graus, fica difícil maquiar os fatos em “está tudo bem” no hemisfério norte. E assim nos respondem as matas queimadas, o “gado” torturado e assassinado __ hoje reclassificado como um “produto industrial” __ os oceanos assolados pela poluição e a prospecção de petróleo.
Nossas correntes marítimas estão nos enviando sua resposta, enquanto o velho sol nos brinda com sua super radiação, que vaza os buracos gerados nas camadas de ozônio em nome do “desenvolvimento”.
A ciência vendida e comprada nega os fatos.
A maioria das pessoas prefere ignorar que toda e qualquer ação resulta em consequências, como reação inevitável.
Acima de tudo, respondendo pela bestialidade que nos cozinha e encaminha, em banho maria, rumo à destruição, está a profunda indiferença com que os homens tratam as demais formas de vida.
Indiferença que se estende às próximas gerações, que dificilmente conhecerão o mundo que vivemos em meados do século XX.
Seria de se esperar que ocorresse um já muito tardio despertar de consciências, nem que fosse em nome dos próprios interesses de sobrevivência.
Mas não.
A força dos processos alienatários das corporações é tamanha que estamos sistematicamente derrubando os próprios conceitos fundamentais de auto preservação e sobrevivência da espécie.
Cansei de falar de amor. Cansei de falar de empatia. Cansei de falar de compaixão e gratidão.
Afinal, ninguém quer ouvir e desistir da grande “festa de arromba” em andamento.
Filhos? Melhor seria não tê-los tido. Netos? Menos ainda.
Não gostaria de estar aqui no mundo em que serão forçados a viver.
Divertido, pelo menos, é saber que nos tornamos o nosso próprio “churrasco”.
Nada mais justo.